O teatro das elites

Classes altas são as maiores frequentadoras de peças


Foto da fachada do Teatro Procópio Ferreira na Rua Augusta em São Paulo
Teatro Procópio Ferreira na Rua Augusta em SP. Área nobre da cidade. (Foto: Lucas Pemasan) 

Por Lucas Pemasan

    O teatro no Brasil não é democrático o suficiente para atingir a todos. Aproximadamente 61%* dos brasileiros nunca foram a uma sala de espetáculos assistir a uma peça. São Paulo vive um paradoxo. A cidade com o maior número de salas para encenações no país tem 59%** da população que não assiste a montagens teatrais nenhuma vez durante o ano. 

    Números que deveriam causar o mínimo de espanto ou preocupação, mas habitualmente não são nem lembrados no cotidiano, geralmente porque teatro não faz parte da rotina da grande massa. São singularidades que nos despertam a dizer com clareza que o acesso a esse nicho cultural pertence a uma minoria. E o preço salgado dos ingressos denuncia que essa minoria tem uma classe social bem definida. Média alta e alta. 

    Ter acesso a uma cadeira em uma sala de apresentações para assistir histórias encenadas no Brasil custa caro, salvo algumas exceções, o teatro está, onde o dinheiro está. É o teatro das elites. Uma situação que Moliére talvez definisse como coisa de "burguês fidalgo", se estivesse entre nós.

    As periferias tem contato com encenações esporadicamente quando, por exemplo, recebem algum espetáculo itinerante (geralmente de atores de coletivos). As cortinas se abrem e se fecham no mesmo lugar por uma ou duas sessões, quando muito duram uma semana. Dessa maneira, não são todas as pessoas que conseguem - por conta da rotina - assistir.

    Mesmo com estrutura (muitas vezes) simplória se pareado com grandes espetáculos patrocinados, o que se vê, em grande parte das vezes, é gente que produz com vontade de democratizar de verdade a cultura do teatro. Sem incentivos financeiros robustos e sem visar lucros. E que bom que existem projetos assim. Mas o tamanho do nosso país é ingrato mesmo com atos benevolentes. Ainda que com muita força de vontade não é possível chegar fisicamente a todos os lugares. 

    Bárbara Heliodora foi uma notória crítica de teatro nos anos 90 e 2000, era defensora contumaz da qualidade das peças encenadas nos palcos. Ela afirmou em entrevista em uma edição do programa Roda Viva em 2010 que o Brasil não tem tradição em teatro. 

    É pouco pragmático que se preste soluções pra essa questão a curto prazo. Ainda mais quando se realiza que, tudo esbarra na questão econômica, como visto no começo deste texto. Importante sintetizar também que produzir uma peça custa caro. 
    
    As políticas públicas voltadas a distribuir melhor a arte da encenação em palcos, são insuficientes, para não dizer pífias. Em um país com tantas emergências como no Brasil é compreensível que se atente primeiro aos problemas primários como saúde e educação. No entanto, furtar-se de incentivo a cultura teatral é furtar-se à construção de uma sociedade crítica e consciente de sua identidade.

    É verdade que teatros administrados por prefeituras ou entes públicos no Brasil oferecem muitas vezes espetáculos a preços acessíveis ou gratuitos. Mas cabe observação de que não são todas as localidades que dispõem de espaço digno para apresentações teatrais. Como Hamlet de William Shakespeare o teatro no Brasil sofre com a questão: ser ou não ser?


*Dados da pesquisa SESC/Fundação Perseu Abramo divulgada em abril de 2014.

** Dados divulgados pela rede Nossa São Paulo e Ibope Inteligência, em parceria com Sesc São Paulo - abril de 2018.

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